Universia

domingo, junho 17, 2007


À CONVERSA COM... RAFAELE MANNARINO

Só continuaremos na primeira divisão distrital se,
até 1 de Julho, tivermos pelo menos mil sócios pagantes...

Rafaele Mannarino é o presidente da direcção do Grupo Desportivo da Mealhada (GDM) desde Julho de 2006. Ao Jornal da Mealhada e ao Rádio Clube da Pampilhosa este advogado, de 28 anos, falou do primeiro ano do seu mandato, das vitórias e dos fracassos como dirigente, das certezas e das condições para mais uma época.

Qual a razão da sua candidatura à presidência da direcção do GDM, um clube histórico do concelho da Mealhada?


A equipa que lidero, constituída, maioritariamente, por pessaos entre os vinte e sete e os trinta anos, decidiu assumir responsabilidades no clube, porque achou que as crianças e os jovens atletas do clube mereciam mais. Foi essencialmente por causa deles que nós decidimos apostar na direcção do clube.


Anteriormente o Desportivo estava a ser gerido por uma comissão administrativa. Havia, portanto, instabilidade na gestão do GDM.


Exactamente. Se bem que seja justo aqui deixar uma palavra à comissão administrativa. A comissão administrativa deixou o clube numa situação financeira aceitável, não boa mas aceitável, pagou, até, algum do passivo, fez um trabalho bom na contenção de despesas. Em termos organizativos não pôde, porém, atingir grande resultado, até porque não havia uma cabeça, uma liderança clara. Acima de tudo tiveram o mérito de não ter deixado nada da sua gestão por pagar. Organizativamente, o clube estava muito mal. Quando assumimos responsabilidades essa foi a nossa primeira preocupação. Nenhum de nós tinha feito parte de uma direcção de um grupo desportivo e, por isso, também estávamos aprender. Nos primeiros tempos da nossa gerência houve pessoas que nos ajudaram muito, nas inscrições, por exemplo, e que ainda nos ajudam em relação a uma série de procedimentos, como o dos seguros.


Não o assustou liderar a direcção de um clube com mais de sessenta anos?


A responsabilidade sente-se sempre, como é óbvio. É uma grande responsabilidade pegar num clube, gerir trezentas pessoas, entre atletas, treinadores, dirigentes, responsáveis pelos transportes, roupeiros, pessoal da limpeza e da secretaria, etc. Tudo isso implica muita coisa. A história de 62 anos de Grupo Desportivo da Mealhada cria também uma grande responsabilidade. Lidamos com cinco, seis mil histórias, memórias de pessoas a quem o GDM muito diz. Tentámos, de qualquer modo, que isso não interferisse demasiado nas nossas decisões.


A direcção do GDM está mais preocupada com o presente e com o futuro. É assim?


Não. Uma pessoa que não olha para o passado não terá futuro. Nós temos muito carinho pelo nosso passado, queremos manter viva essa chama. Queremos que as pessoas que estão ligadas ao Desportivo assim permaneçam e queremos, também, dar um passo em frente. Queremos colocar o Grupo Desportivo da Mealhada no século XXI, aproveitando as boas lições que o passado pode trazer e adaptando-as para podermos ter um futuro melhor.


Que escalões tem, hoje em dia, o Grupo Desportivo da Mealhada?


O Grupo Desportivo da Mealhada tem, neste momento, oito escalões de formação, cerca de duzentos atletas, crianças e jovens. Não é possível haver mais escalões. Em alguns clubes há divisão dentro dos mesmos escalões. Por exemplo, os iniciados, os juvenis e os juniores, em alguns clubes estão divididos em dois anos. Nós não temos essa divisão, ainda. Mas temos crianças de quatro anos a treinar connosco, que nem sequer têm campeonato. Só a partir dos sete anos é que podem entrar em competição. Temos cerca de trinta crianças com menos de sete anos de idade que treinam duas vezes por semana, no relvado, como é óbvio. São muito pequeninos, temos dois treinadores para eles.


As crianças e os jovens treinam no campo pelado junto do Municipal Dr. Américo Couto. Terá este espaço condições razoáveis para uma prática desportiva saudável?


Essa é uma velha batalha do Desportivo. Resolver esse problema é um forte objectivo desta direcção. Queremos melhorar as infra-estruturas, nomeadamente transformando o campo pelado num campo de relva sintética. Quanto aos treinos, nós tentamos que as crianças e jovens, de todos os escalões, treinem o mais possível no relvado, porque é do que eles gostam e são as melhores condições para eles. Mas se é certo que, em termos de balneários, dispomos de infra-estruturas novas, a verdade é que, durante o Inverno, a relva não aguenta muitos treinos, porque chove, porque se desgasta com o uso. Os tratadores da relva recomendam que se faça, preferencialmente, um treino de dois em dois dias. Algumas vezes, porém, dá para fazer treino todos os dias. Se tivermos em conta que há cerca de vinte e sete a trinta treinos por semana, chegamos à conclusão de que só uma ínfima parte, três treinos, podem ser feitos no relvado. No Verão é possível os atletas treinarem muito mais no relvado, mas, ainda assim, há que submeter a relva a tratamento adequado.


A Câmara Municipal vai construir a bancada nascente do Campo Municipal Dr. Américo Couto. Considera que, de alguma maneira, a prioridade do investimento deveria ser a colocação da relva sintética no campo pelado adjacente?


Pensando unicamente no interesse do Grupo Desportivo da Mealhada, teríamos de dizer que a bancada tem servido e serviria por mais um ou dois anos. Mas eu compreendo que a Câmara tenha um projecto para a bancada e para o seu aproveitamento. Um projecto ambicioso que vai muito mais longe do que o plano desportivo. A bancada reconstruída não teria, de imediato, grande utilidade para nós. Claro que o sintético seria muito mais útil e iríamos tirar maior proveito. Este seria um projecto muito mais caro do que o da bancada, mas também mais útil para o Grupo Desportivo da Mealhada.


A Câmara sabe dessa pretensão do Grupo Desportivo da Mealhada? A colocação de um piso sintético estará para um futuro próximo?


Nós temos ótpimas relações com a Câmara Municipal da Mealhada, mas não há, neste domínio, grande adiantamento. Posso dizer que a colocação do piso sintético já esteve mais longe.


Têm sido conseguidos apoios monetários para o clube?


A Câmara Municipal da Mealhada atribui-nos um subsídio anual. Permita-me sublinhar que se trata de um subsídio e não de um financiamento. Esse apoio é dado ao Grupo Desportivo da Mealhada como a qualquer outro clube. E o que recebemos é público, vem no jornal, é de cerca de 27 mil euros. É preciso, como se vê, angariar bastantes apoios. Temos ajudas dos sócios, temos empresas do concelho que nos auxiliam, temos os pais, temos também o resultado da exploração do bar nos dias dos jogos e temos o resultado das entradas.


Organizaram uma campanha de sócios. Deu resultado?


Nós fizemos uma campanha a que demos o nome de "Faça-se sócio", que, à semelhança do que se faz por todo o País, consiste na venda de um kit que incluiu um conjunto de vantagens diversificadas. A campanha não correu como nós esperávamos. Ficou muito aquém dos nossos objectivos. Quem era sócio continuou a ser sócio, mas não houve grande adesão para além da de alguns pais motivados pela vantagem de que beneficiam em relação às mensalidades dos atletas. No ano passado, quando a equipa sénior desceu para a segunda divisão distrital, recebemos, em Agosto, um telefonema a perguntar se nos queríamos manter na primeira divisão, uma vez que uma equipa que havia desistido. Pensámos, na altura, que era preciso fazer chegar aos sócios e à população a mensagem de que nós arriscamos, de que queremos ganhar e achamos que o lugar da Mealhada é sempre acima do que está agora. Pensávamos que, juntamente com isto, com o kit de novo sócio e outras iniciativas que nós tomámos, iríamos conseguir entrar mais dentro da população da cidade.


A juventude dos dirigentes do GDM não acaba por jogar contra vocês, neste projecto?


Não. Muito pelo contrário. São os sócios mais antigos e de mais idade que nos dão mais apoio. Deixo-lhes aqui, também, o meu apreço. São eles que pagam as quotas, são eles que vão aos jogos. Se virmos a bancada do Grupo Desportivo da Mealhada, num dia de jogo, é notório que a maior parte das pessoas tem mais de cinquenta anos. Nós tentamos cativar muito mais os jovens, para que vejam que temos dinamismo e que há vontade de fazer coisas. O futebol é um espectáculo. Ir ao futebol é como ir ao circo, ao cinema, tem que se gostar daquilo que se vê. E nós temos que conseguir cativar as pessoas para lá irem, porque não se trata de uma necessidade. Um espectáculo bom tem que ser pago. Um sócio paga um euro e meio para ver um jogo e depois paga uma quota por ano, que pode ir dos dezoito aos trinta euros. E é nesse sentido que nós tentamos cativar as pessoas. Temos tido bastante apoio também da parte dos jogadores de todos os escalões. Gostávamos de chegar àquela faixa etária até aos quarenta anos mas, neste momento, ainda não conseguimos cativá-la. No kit de novo sócio tentámos chegar também junto das mulheres. Temos um kit para senhoras, que custa doze euros por ano. A pensar nelas, em conjunto com a Liga Portuguesa Contra o Cancro, promovemos o Mama Tour, uma caminhada para angariação de fundos. Conseguimos reunir bastantes senhoras, apesar do mau tempo do dia em que se realizou.


O GDM comemorou recentemente o Dia Mundial da Criança. Foi uma forma de homenagear os jogadores do clube ou atrair sócios?


É um bocadinho de cada. É uma mensagem que gostaríamos de passar, a de que estamos aqui para mais do que, apenas, o futebol. Gostamos de nos inserir na sociedade. Eu gosto de, para ilustrar a situação actual do GDM, usar a imagem de um leão que esteve enjaulado num jardim zoológico durante muitos anos e que ia sendo alimentado, não tinha que fazer nada para obter alimento. Estava lá, passeava dum lado para o outro na jaula e a comida era-lhe jogada lá para dentro. Passados quinze anos agarram nesse leão, devolvem-no à selva e dizem-lhe: "Caça ou morres". Esse leão não conhece os mecanismos da caça mas, por instinto, tem de aprender. No GDM o financiamento era como a comida do leão, era-nos oferecido. Agora temos de aprender os mecanismos de angariação de fundos, temos de arranjar as armas, a motivação, os procedimentos para que o leão cace. Para conseguirmos os apoios necessários para o clube continuar.


Os jovens da Mealhada estão afastados do fenómeno associativo e afastados do clube?


Estamos a promover algumas iniciativas para contrariar isso. Estamos a organizar uma claque, por exemplo. É um projecto que surgiu a meio do ano e que nós gostaríamos de ver implementado. Já aprovámos um símbolo para essa claque e um nome.


E qual é o nome?


Ofensiva 1945. Foi o nome proposto por alguns jovens a quem me dirigi e com quem, por diversas vezes, insisti para que fossem ver os jogos. Foi em 1945 que o clube se formou. Teremos uma claque mas, se alguma vez virmos confusão por culpa sua, ser-lhe-á cortado todo o apoio que o Desportivo lhe esteja a dar. O GDM dar-lhe-á todo o apoio, desde espaços, sede...


Uma das apostas da direcção era a ideia do kit e dos descontos em lojas para os sócios. Como é que correu essa campanha no ponto de vista das empresas?


A adesão das empresas ao cartão de sócio, isto é, dando descontos a quem fosse sócio do Grupo Desportivo da Mealhada, foi um sucesso. Conseguimos a implicação de cerca de vinte empresas do comércio local mealhadense. Quanto a outro tipo de apoio vindo de empresas tem havido um acréscimo relativamente ao ano passado. Os empresários viram que a nossa direcção tem uma postura diferente da que tinha a comissão administrativa e da de outras direcções. Tem que haver um entendimento da parte de todos para que contribuam com aquilo que puderem.


Disse que recebeu, há cerca de um ano, um telefonema a perguntar se a equipa sénior do GDM queria permanecer na primeira divisão distrital. Respondeu na altura que sim. Este ano voltou a descer. É possível que receba novo telefonema...


Sim, é possível. Mas a minha resposta é que, se calhar, não vai ser a mesma.


Se calhar? Do que depende?


É aqui que se insere o apelo aos sócios e foi por isso que organizámos o kit de sócios. Não é possível manter uma equipa com estes parâmetros na primeira divisão sem ter, da parte dos sócios, sinais de uma aposta forte. Porque eu também não sou apologista de que subamos para estar sempre a descer. Só continuaremos na primeira divisão distrital se, até 1 de Julho, tivermos pelo menos mil sócios pagantes...


Quantos sócios tem o clube, neste momento?


À volta de quatrocentos.


É um objectivo ambicioso?


Não, temos inscritos mil e trezentos sócios. Mas só quatrocentos é que pagam quotas. Com quatrocentos a pagar não se chega a receber quinhentos euros por mês. Não é possível para um clube, com despesas de transporte e de alimentação, viver com essa receita. Vamos jogar a Arouca, a Entre-os-Rios, a Castelo de Paiva, no limite norte do distrito. E nós estamos no limite sul. A única condição, - volto a referir que isto é, directamente, para os sócios -, é termos pelo menos mil sócios pagantes.


Não estará, de alguma forma, a chantagear os sócios?


Não. Eu estou a enunciar, pura e simplesmente, os nossos objectivos. Somos transparentes. Nós estávamos à espera de ter maior retorno da parte dos sócios.


Qual é a opinião dos jogadores em relação à condição que está a enunciar? Preferem certamente jogar na primeira divisão...


Naturalmente que eles quererão ficar na primeira divisão. Eles estiveram fortemente motivados, durante o ano. Eu tenho muito orgulho nesta equipa sénior. Mantiveram o espírito de querer ganhar. O fim da época foi elucidativo disso mesmo. Nós ganhámos uma série de jogos agora, no final da temporada.


Desceu um número significativo de equipas...


Se não tivessem de descer sete equipas, nós manter-nos-íamos nesta divisão. Já são dois anos seguidos em que descem sete ou oito equipas. E isso não me parece nada certo. É, da parte da associação, brincar com os clubes. Quando entramos nunca sabemos aquilo com que podemos contar. Não pode haver sempre esta incerteza de haver seis ou sete descidas de divisão. Na minha opinião isso é errado e tem que haver outro tipo de planeamento. Há uma hipótese de não haver a terceira divisão distrital de Aveiro. Haver, sim, a segunda divisão, dividida em séries. Para mim essa será a melhor opção.


O GDM voltou a descer. A direcção está arrependida de ter decidido, na época anterior, que a equipa de seniores permanecesse na primeira divisão distrital?


É tudo uma aprendizagem. Passamos pelas coisas para aprender e nós aprendemos.


Mas os gastos também foram mais elevados.


Muito mais elevados do que se tivéssemos ficado na segunda divisão. A recuperação financeira teria sido muito melhor. Como também teria sido muito melhor se os sócios tivessem aderido como eu esperava. O que estou a dizer não é para os sócios que vão aos jogos e que pagam as quotas, porque esses já o fazem há muitos anos. Eu falo dos outros sócios. Falo dos sócios que não estão a pagar as quotas e dos novos que gostaríamos de cativar. Se calhar a equipa começou a perder jogos e não atraiu pessoas.


Acha que a segunda divisão proporciona melhor espectáculo?


Penso que agora, na segunda divisão, temos condições para ganhar mais jogos. De certeza que teremos mais pessoas a ver os encontros porque, pelo menos os de fora, virão. Porque, apesar de tudo, a equipa sénior é mantida pelos sócios e pelo rendimento que se tira em cada partida. Eu não entendo como financiamento do clube o que pagam os pais e o subsídio da Câmara. Nem acho que esse dinheiro deva ser canalizado para a equipa sénior. Os pais que pagam contribuem para o Grupo Desportivo da Mealhada, mas para o escalão a que pertencem os seus filhos, e é nesse escalão que o dinheiro é gasto.


Considera que, de alguma maneira, faria senntido unir os esforços de todos os clubes do concelho e criar uma equipa única para disputar campeonatos nacionais profissionais? Seria um projecto a que o GDM estaria receptivo?


No concelho da Mealhada há uma grande quantidade de clubes, uma grande diversidade, cada freguesia tem um clube, aliás, há freguesias que têm mais do que um. Também acho que são muitos.


Porquê?


Nomeadamente porque a Câmara Municipal os subsidia todos. Eu acho que a Câmara Municipal deveria subsidiar, exclusivamente, as escolas dos clubes. Considero que quem não tivesse escolas não deveria receber o subsídio da Câmara.


Isso seria desvalorizar totalmente o aspecto competitivo...


Se um clube quer ter uma equipa sénior competitiva a Câmara não tem que financiar, tem apenas que subsidiar. Para que é que a Câmara subsidia? Para garantir o aspecto de utilidade pública, para um aspecto social que o clube tenha. Por que é que a Câmara subsidia associações? Porque as associações fazem um trabalho importante, social e culturalmente. É como os clubes que têm um trabalho social, cultural e desportivo importante junto das crianças, dos adolescentes, dos jovens, não junto dos seniores. Até podia haver mais clubes, desde que não fosse a Câmara a subsidiar. Sabemos também que, se a Câmara não subsidiasse, muitos deles acabariam. Se calhar é esse o caminho. Porque acho que há doze, treze, quinze clubes seniores, no concelho da Mealhada, que se andam a arrastar. E o dinheiro que se anda a gastar nesses clubes poderia ser gasto de outra forma. Quando me junto com os meus amigos para jogar à bola, pago o pavilhão e o equipamento e isto é o que acontece nas equipas seniores. Outras equipas seniores ou mesmo o Mealhada não têm objectivos, neste momento, de serem, campeãs ou algo assim. Porque aquilo é um grupo que se junta para brincar, que está lá para se divertir, para fazer divertir os outros. Se houver um objectivo diferente, o Grupo Desportivo da Mealhada pelo menos tem o objectivo de fazer crescer a equipa sénior. Esses objectivos têm de ser cumpridos, baseados nos financiamentos próprios. Não tem que ser a Câmara a financiar um projecto de uma equipa sénior.


Os clubes mais fracos não têm direito à prática desportiva?


Têm todo o direito. Como eu tenho direito à minha prática desportiva, enquanto pessoa. Jogo à bola e não tenho a Câmara a financiar-me. Junto-me com os meus amigos, pago o pavilhão e jogo.


A próxima época continua então numa sombra de dúvidas relativamente à divisão a que os seniores irão pertencer.


Não há dúvida nenhuma. Neste momento vamos para a segunda divisão.


Mesmo que receba o tal telefonema?


Sim, sim. Neste momento ficaremos na segunda divisão.