Universia

segunda-feira, abril 23, 2007


"À conversa com... Claúdio Pires

"Não há nada parecido com as Escolíadas, a nível europeu", afirma Claúdio Pires

EDIÇÃO DE 2008 TERÁ ESCOLAS DE ESPANHA

Na próxima sexta-feira começa, na discoteca Três Pinheiros, em sernadelo, a décima oitava edição das escolíadas. João Santos, da RCPfm, e Nuno Castela Canilho, do Jornal da Mealhada, falaram com Claúdio Pires, criador do projecto e seu principal dinamizador, no programa rediofónico "À conversa com...", do Rádio Clube da Pampilhosa (RCPfm). As novidades para a edição 2007, os apoios, ou a falta deles, e a parespectiva de internacionalização das escolíadas foram alguns dos temas tratados por Claúdio Pires nesta entrevista.

Esta é a décima oitava edição do projecto Escolíadas. O que são as Escolíadas?
As Escolíadas são um evento educativo e cultural. São sessões onde alunos e professores de escolas secundárias e profissionais vão proporcionar momentos de cultura, mas em que também se vão divertir. É uma das forças que as Escolíadas têm. Ao longo de seis noites dezoito escolas apresentarão números de teatro, música e dança e prestarão outras provas de cultura. Isto é, conseguem retratar várias áreas culturais sem deixarem de estar inseridos num espaço de animação. Daí a forte adesão ao projecto que conseguimos ter. Existe desde 1990 e dentro da nossa zona tem uma força visível. Haverá pouca gente no nosso concelho que não tenha ouvido falar das Escolíadas.

Para além do entretenimento há uma vertente pedagógica.
Quem já participou terá sentido isso. As Escolíadas têm um efeito muito positivo. Desinibem as pessoas que sobem a um palco pela primeira vez. Aliás, qualquer participação num espectáculo desinibe as pessoas. Pisar um palco ajuda a formar, penso eu. Depois tem que se enfrentar um público, num espaço de animação. É algo de diferente. Não quer dizer que seja fácil. Para além do factor convívio existem imensas vertentes nas Escolíadas, sendo a formação, sem dúvida, o ponto-chave. As Escolíadas promovem a ocupação dos tempos livres, a criação de núcleos de teatro ou de música. Eu próprio sou surpreendido, não raras vezes, com novas situações que surgem dentro das escolas, o que muito me satisfaz. Uma das características que as Escolíadas têm é serem um processo evolutivo, que não pára.

A participação nas Escolíadas está aberta, apenas, a jovens dos dezasseis aos dezoito anos...
As Escolíadas estão abertas à participação de escolas secundárias oficiais, de escolas profissionais e também de colégios, destinando-se aos alunos do décimo ao décimo segundo ano ou equivalentes. O regulamento, todavia, prevê que possa ser permitida a partcipação de um ou dois elementos por escola, com menos idade. Foi o pedido que algumas escolas fizeram porque, às vezes, há uma ou outra prova que precisa de um personagem mais infantil, por exemplo. Noventa e nove vírgula nove por cento dos alunos participantes são do décimo ano para cima. Nas equipas das escolas - convém dizer - há, também, professores, obrigatoriamente, mas também funcionários e antigos alunos.

Na edição deste ano participaram dezoito escolas, desde Albergaria-a-Velha até a Carregal do Sal. Como é que fazem a selecção das escolas participantes?
Todos os anos definimos o número de escolas participantes. A partir daí, todas têm a possibilidade de se inscreverem. Posteriormente nós fazemos uma selecção.

Então há escolas interessadas que ficam de fora?
Claro. Este ano tivemos vinte escolas que se inscreveram dentro do prazo estipulado. Contudo só podem participar dezoito. Todos os anos há escolas que não aceitamos.

Com que critério?
Um dos critérios é o da distância. Já tivemos a experiência de receber algumas escolas de longe mas, por um ou outro motivo, a sua participação acabou por se revelar dificil. Somos bastante exigentes. Não na qualidade, mas em relação à viabilidade e à logística da participação.

Como assim?
Uma escola que venha de Vila Real, tem de estar na Mealhada no dia da prova, às 14 horas, como as outras. Isso faz com que os participantes tenham de ter almoço, tenham de sair muito cedo. Estamos a falar de cerca de cem pessoas. Que têm de dormir cá, porque não se vão embora às quatro horas da madrugada... A organização das Escolíadas oferece jantar a cerca de vinte e cinco pessoas, por escola, mas não fornece refeições às claques. Essa escola, de Vila Real, teria de tratar ainda do jantar para a claque. Há uma série de coisas que têm de ser organizadas e é por isso que, até hoje, nunca aceitámos escolas de longe.

Mas esses problemas não se colocam à escola de Carregal do Sal, por exemplo?
Não. A nossa filosofia era, inicialmente, não ultrapassar a distância de trinta quilómetros a partir da Mealhada. Neste momento já ultrapassámos esse limite. Carregal do Sal é mais longe. Já tivemos escolas da Figueira da Foz, Gafanha da Nazaré...

Houve uma altura em que a adesão das escolas era tão elevada que foi necessário organizar duas edições - uma para escolas do distrito de Aveiro e outra para as dos distritos de Coimbra e Viseu.
Não teve só a ver com o número de escolas aderentes. O que se passou foi que havia uma diferença, uma discrepância, em termos de qualidade, entre as escolas dos distritos de Coimbra e de Viseu e as escolas do distrito de Aveiro. Nunca, ou raramente, uma escola de Coimbra, conseguia ir a uma final das Escolíadas. Tal facto provocou desânimo e desinteresse nas escolas dessas zonas e começou a preocupar-me. Tivemos de adaptar a competição. Então dividimos as escolas em dois grupos e a medida resultou. Há escolas do distrito de Coimbra que hoje têm um nível de qualidade muito bom. O reflexo maior teve a ver com as claques. Neste momento, as escolas já conseguem reunir boas claques, em qualidade e em quantidade, e a homogeneidade está garantida.

Disse, no entanto, que não exigia qualidade às escolas participantes.
Não exigimos qualidade a ninguém. Quando as escolas ensaiam nos Três Pinheiros, nós ajudamos, dentro dos nossos conhecimentos, com os nossos meios técnicos. Não altero provas, não faço provas. Tento é explorar o melhor possível, em termos de espectáculo, as provas que as escolas vão apresentar.

Os apoios têm surgido da forma que esperava?
Isso é o lado negro da coisa. Infelizmente, isso não sucede só com as Escolíadas, acontece com quase tudo. O panorama é simples: quando estávamos a menos de um mês de as Escolíadas arrancarem, só tínhamos recebido a resposta do Ministério da Cultura, que nos vai dar um apoio de mil e quinhentos euros. Ainda não recebemos a resposta do Instituto Português da Juventude (IPJ), embora saibamos que vai apoiar. Isto porque os resultados das candidaturas eram para sair no dia 20 de Fevereiro e o respectivo software nem sequer está pronto. Portanto, é um problema nacional, não é nosso. Da Câmara Municipal ainda não tínhamos recebido, nessa data, qualquer resposta. Em termos de entidades - estou a falar nas três que, financeiramente, nos poderão apoiar - só tinha a confirmação do Ministério da Cultura. A Direcção Regional de Educação do Centro (DREC), que, no fundo, é o Ministério da Educação, apoia-nos em termos logísticos, pois não tem com que nos apoiar em termos financeiros.

As Escolíadas estão dependentes de apoio financeiro?
Claro que sim. No entanto, no ano passado, as verbas que nós conseguimos receber das entidades oficiais não chegaram a quatro mil euros. Se eu vos disser que as Escolíadas custaram quarenta e seis mil euros, percebem a dimensão do apoio que, para o Estado, esta iniciativa merece.

É uma situação que o deixa algo desiludido? Esperava mais?
Eu não só espero como garanto que, se o Estado não apoiar significativamente, as Escolíadas terão de acabar. Não faz sentido uma entidade privada suportar, desta maneira, uma iniciativa que toda a gente reconhece como sendo de grande utilidade. De dois em dois anos peço às várias entidades que nos apoiam que nos dêem pareceres e eles têm sido sempre muito favoráveis. Temos, há vários anos, a certificação do Ministério da Cultura de que as Escolíadas são um projecto de manifesto interesse cultural. E esta certificação não é fácil de obter. No entanto, o apoio é o que se vê.

As Escolíadas de 2008 estão em risco?
O que disse não faz parte de nenhuma táctica para fazer com que os responsáveis estatais mudem de atitude. Eu sei que há dificuldades financeiras em todos os organismos do Estado. Já tenho compromissos assumidos para as Escolíadas de 2008, compromissos muito sérios e muito importantes, e não vou voltar atrás. As Escolíadas de 2008 irão acontecer. Mas se eu, em 2007 e em 2008, não conseguir muito maior apoio por parte das entidades públicas, não faz sentido organizar as Escolíadas em 2009. As Escolíadas de 2008 vão custar pouco mais de cinquenta mil euros. Neste momento, para a edição de 2007, tenho mil e quinhentos euros de apoio garantido. E eu estou a falar de uma iniciativa que tem um orçamento credível e muito rigoroso. Nós entregamos às escolas quinze mil euros, em dinheiro, para porem de pé as suas provas.

A edição de 2008, que poderá ser a última, será internacional?
Está noventa e cinco por cento garantido que a edição de 2008 terá dimensão ibérica.

Não quer falar um bocadinho sobre isso?
Já não é segredo. A possibilidade de participarem escolas de Espanha é algo que temos vindo a construir desde 2002. Existia o problema da distância, de que já falei mas, mesmo assim, os contactos estabeleceram-se. Em Novembro reunimos com pessoas da Secretaria da Educação da Galiza. Gostaram do projecto. Já lá voltei este ano e já tivemos três reuniões. Inicialmente colocou-se a hipótese de participar uma ou outra escola na edição de 2007, mas quando viram a dimensão e a qualidade das provas ficaram um bocado assustadas.

Não há nada parecido em Espanha?
Que eu saiba, aliás, não há nada parecido com isto na Europa. Já fiz um levantamento e já mandámos alguns dados para análise da União Europeia e não há nada parecido com as Escolíadas, a nível europeu. Estamos a falar de um concurso com dimensão regional, com sucesso, e que não se limita ao teatro, ou à música, mas inclui várias vertentes artísticas em simultâneo. Os galegos ficaram assustados mas rapidamente se encantaram e, no dia 27 de Abril, cinco ou seis pessoas da Galiza virão assistir à terceira sessão das Escolíadas. Vêm pessoas do ministério da Educação de Espanha, da secretaria regional da Galiza e de escolas, só para verem a "mecânica" das Escolíadas. Neste momento, está já garantida a participação de duas escolas galegas em 2008.

Integradas no concurso normal?
Em princípio sim. No final desta edição vamos fazer reuniões com as pessoas referidas e, a seguir, com as escolas, porque quero que as escolas também se pronunciem.

Como é que os espanhóis descobriram as Escolíadas?
Penso que foi a DREC que lhes deu conhecimento das nossas realizações. Os responsáveis regionais dos dois países vão fazendo encontros e parcerias, e o assunto terá sido abordado em algum desses momentos. Houve depois curiosidade da parte dos espanhóis. Em 2002 pediram-nos dados mas eu, quando enviava dados, enviava sempre exigências.

Exigências?
Porque, ou realmente queriam participar e levavam a sério o projecto, ou não valia a pena virem. E, em 2006, o contacto foi muito forte! E é preferível que as coisas sejam feitas com tempo. Começou a tratar-se do assunto em Novembro de 2006 e, se eles participarem, será em Março de 2008. Têm um ano e meio de preparação.

Quantos participantes terá a edição de 2007?
Perto de dois mil. Entre alunos, antigos alunos, funcionários e professores de dezoito escolas.

O que é que se pode esperar da edição deste ano, em termos de espectáculo?
Por aquilo que já vi nas escolas, porque nós estamos sempre em contacto com elas, há um bom envolvimento por parte das comunidades escolares e a expectativa é elevada. Noto, de ano para ano, que, cada vez mais, as escolas participam com um grande sentido de responsabilidade. E isso agrada-me muito!

Esse envolvimento das comunidades escolares inclui os conselhos executivos?
Tenho sentido, este ano, pelos contactos que vou tendo com as escolas, que o tal problema que existia em se cativar os conselhos executivos já não existe. Em 2007, não haverá nenhuma escola que não tenha a participação dos conselhos executivos. Não digo com os seus elementos a participar nas provas ou a pisar o palco, mas todos os executivos estão, pelo menos, a acompanhar a participação da sua escola. Não há nenhuma escola com dificuldade em cativar professores. Vejo todas as escolas muito bem encaminhadas e isso a mim satisfaz-me! Não me preocupa muito a qualidade das provas mas nos ensaios já vi coisas muito interessantes!

Os meios técnicos de cenografia, de iluminação, de som, etc., têm evoluído bastante em dezoito anos. As Escolíadas têm acompanhado essa evolução?
Temos meios ao nosso dispor que dificilmente se conseguem encontrar noutro lado. Nós apoiamos, gratuitamnete, muitas iniciativas realizadas por escolas fora do nosso palco. Este ano, já fizemos três espectáculos, na Gafanha da Nazaré e em Águeda, por exemplo. Chegamos a disponibilizar os nossos meios técnicos em mais de dez espectáculos por ano. Espectáculos que nada têm a ver com as Escolíadas. A qualquer escola, dentro do nosso meio, que nos pede ajuda, nós apoiamos, se o pudermos fazer! Sem custo. De qualquer modo, dentro da nossa sala, de ano para ano, também nos esforçamos por melhorar. E este ano vamos melhorar ainda mais. É esse o nosso trabalho: pegar, por exemplo, na peça de teatro que as escolas trazem e - se elas quiserem - enriquece-la com o melhor aproveitamento dos nossos emios técnicos. O ano passado houve provas em que isso foi muito visível.

Num projecto que tem dezoito anos, ainda há espaço para evoluir?
Todos os anos tento alterar qualquer coisa. O que me preocupa é não saber o que devo alterar daqui para a frente. Houve alterações no número e no tipo de provas. A vinda dos espanhóis vai ser também um alteração importante.

É difícil alterar um modelo de sucesso?
Sim, porque acho que está tudo muito trabalhado, já. Todos os anos há alterações no regulamento, por proposta das escolas. Nós fazemos duas, três reuniões com as escolas, em que se alteram coisas.

As Escolíadas serão, em muitos casos, a única maneira de algumas escolas desenvolverem a actividade artística?
Sei que elas não têm muito mais caminhos para isso. Mas não aceito, minimamente, até porque não faz sentido, que as escolíadas assumam essa responsabilidade. Esse não é o nosso desafio. Nos Estados Unidos, por exemplo, o teatro, a dança, a arte, são componente obrigatória da formação escolar. Não há nenhum aluno que não tenha feito, nalgum momento, teatro ou música. É obrigatório! A componente artística é fundamental na formação das pessoas. Se em Portugal o desporto é obrigatório, e bem, por que é que o convívio com a arte não o é? Os programas do Ministério da Cultura, hoje em dia, destacam a formação de novos públicos como algo prioritário: E não se começa na escola? Espero que o rumo tomado mude, mas não é esse o papel das Escolíadas.


E qual é, então, o papel das Escolíadas?

O papel das Escolíadas é justificar, juntar, fazer competir os clubes de teatro, de pintura, de música, que as escolas têm ou deveriam ter. Na minha opinião, como pai, entendo que as escolas têm de ter estes clubes. Acho que, se os nossos Governos não alterarem o caminho que se tomou, teremos problemas sérios. Educação é, também, cultura e arte.


(in Jornal da Mealhada, 18 de Abril de 2007)